White Noise

A vida inteira eu tento me encaixar por todos os lugares onde me vejo obrigado a estar. No início a escola, cursos extra curriculares, curso superior (e fiz dois) e, por fim, ambientes de trabalho. Interações. Namoro. Relações. Eu tento ser aquela pessoa ou essa pessoa, tento incorporar na minha personalidade traços dos outros já aprovados por terceiros. Quem sou eu, em essência? E quem eu não sou? Em todos esses ambientes pareço sempre estar orbitando, sem nunca participar. Sem nunca fazer parte, de fato.

Passo pela vida e pelos ambientes de forma quase invisível, esquecido assim que saio. Esquecido até quando estou presente. Poucos me notam, de fato. Em retrospecto, toda a vida eu sofri tentando me tornar aquilo que talvez eu nunca seja, uma extroversão inalcançável para as habilidades que me foram dadas ao nascer. Talvez eu não tenha nascido para viver em sociedade. Na maioria dos casos, prefiro me isolar.


Vivo muito no meu mundo, dissociado da realidade que me parece tão dura. Chega a mim muito dura. São cobranças, entrelinhas, sentidos sutis e eu não sei identificar. Por favor, seja claro. Recebo indiferença, é cada um por si.


Entrei e saí de terapias desde muito cedo. Primeiro por mudança de comportamento após a separação dos meus pais, depois volto pela auto consciência de que meu sistema tem algum defeito. Muito tímido, sem nenhuma habilidade social real. Se vou apresentar em público, tremo. Me sinto o centro das atenções, avermelho. Precisava de um diagnóstico claro, preciso. “Seu defeito é esse aqui, vamos consertar”. Idas e altas. Voltas e altas. Tudo continuava ali, mas eles sempre me davam alta. Aos 20 e poucos, procurei até hipnose, mas continuei defeituoso.


Não era por eu ser gay, não. Essa nunca foi uma questão para mim. Era algo muito maior, algo que pesa, algo que dói. Porém ninguém me deu um diagnóstico claro, parece que sou apenas um rapaz tímido que não luta o suficiente para vencer esse estado. Então a culpa é minha. Todos os choros, todos os “por quês”, todos os convites recusados por medo são todos culpa minha e é isso.


Parece que não me conheço. Aos 34 anos, perto dos 35, parece que não me conheço. Alguma parte de mim falta ser compreendida, uma parte grande (eu sinto). Aos 35 anos, não pertenço a lugar nenhum, a nenhum ser, a nenhum grupo. Eu tenho a mim e só. O meu mundo, aquele que eu criei. Me interesso muito pouco pelo que vem de fora, mas o fora parece não se importar muito comigo também. No fim eu queria pertencer, parece divertido. Mas aqui é divertido também.


Márcio

Márcio sentou em sua cadeira de frente ao computador, mas a vontade era de chorar. Não que não pudesse chorar na frente do computador, mas sua câmera estava ligada em alguma call que ele não prestava atenção. Refletia sobre a possibilidade de largar tudo, pedir demissão e talvez assim conseguir viver a tal da felicidade. Trabalhava tanto, o coitado, mas ainda era dia 9 do mês e ele só estava com 15 reais na conta, para passar o resto do mês.

Márcio precisava de uma renda extra, mas não sabia fazer mais nada além do seu trabalho. E até seus resultados no trabalho eram mais ou menos (ele achava), o suficiente para não ser demitido. Por justa causa: impostor. Talvez fosse uma vantagem ser demitido. Parecia trabalhar tanto, estava sempre cansado. Da vida, do trabalho, das pessoas. Sempre cansado e sempre sem dinheiro. Queria estudar, queria outra vida, porém não tinha dinheiro para pagar. Nem um estudo, nem outra vida.

Surgiu um aniversário no meio da semana, um bar, muitas pessoas. Márcio só conhecia a aniversariante. Ele é uma pessoa tímida (talvez tenha fobia social). “Será que vou conseguir ir com os 15 reais que me sobraram para o mês?”, pensou. O transporte para o local deu 19 dinheiros, só a ida. “E se eu colocar no crédito?”. Márcio novamente estava com vontade de chorar. Ansiedade. Ele precisava de uma renda extra.

Repassou mentalmente uma lista de coisas que ele poderia fazer como segundo trabalho, agora autônomo. Costurar, serviços de design gráfico (queria sair dessa área), abrir uma loja (mas de que?). Fazer um curso novo? Mudar de área? Voltou do bar, achou melhor ir dormir. Amanhã teria que abrir a câmera novamente, tinha outra call e mais uma vez a vontade de chorar. Não podia, todo mundo estaria vendo. Nada tinha sentido na sua vida, nada o deixava feliz, nada tinha propósito. Queria mudar de vida ou apenas terminar logo essa.

Potiguar


Ei, homem, se chege mais.
Eu tenho a sensação de que a cada passo que eu tento dar para frente, tu dá dois para trás..
Ei, homem, confia em mim.
Entende que é tudo verdade o que a gente vem construindo até aqui...
Abaixa esse escudo, vem e se mostra mais. Quero ver por completo o carinho que me mostras nos momentos de descuido. O abraço inesperado enquanto andamos lado a lado. Sua mão segurando o meu dedo. O carinho por baixo da mesa, as mãos entrelaçadas enquanto aguarda o pedido no bar. Os carinhos meio sem jeito. Meu peito acelerado, meu riso frouxo. Minha vontade de estar sempre ao teu lado e de te beijar. Minhas pernas fracas com teus braços ao meu redor. Eu te sinto tão perto, mas eu sinto teu medo.
Confia em mim e vem comigo. Segura a minha mão com mais força, não deixa a distância nos distanciar. Entende que eu quero teu corpo. Entende que eu quero ser teu. Se joga, não pensa muito. Deixa acontecer o que temos para viver, pode ser que não seja para sempre mas que seja incrível agora enquanto a gente se tem. E tu me tem.
Ei, homem, se chegue mais.
É nos teus braços que eu quero estar.

a reviravolta, negah!

Agosto passou que a gente nem sentiu, né? Eu pelo menos não senti. Entre obrigações do trabalho e cobranças familiares (um sobrecarrego só), agosto passou como em nenhum outro ano. Veloz. Ligeiro. Não cumpri nada do que eu tinha planejado e nem tinha planejado muita coisa, a procrastinação é uma característica perigosíssima. Não tenham. De fato, passei batido. Quando eu via já era sexta. Eu piscava já estava me arrumando na segunda para ir trabalhar. Um aperreio só. Não é saudável e nem recomendo. Aliás, depois que comecei nessa empresa as vezes que fico doente no ano aumentaram muito. Vivo com sintomas aqui e ali. Não está fácil.


Então vamos a um resumo do que aconteceu até aqui nesse mês de agosto: vi Divino Amor (achei ok); fiz tatuagens novas; assisti O Rei Leão; comecei exercícios físicos em casa mesmo, tomei banho de chuva, superei boy lixo, me rendi ao disco novo da Taylor Swift, ganhei calos nas mãos por limpar o jardim aqui de casa, ganhei uma certa confiança em mim mesmo (seguimos construindo).


Talvez o mês tenha sido sim de realizações e de “coisas feitas”, mas nenhuma delas tenha sido online. Várias conquistas na vida, no mundo concreto. Com certeza ainda tenho muita coisa a melhorar, a aprender e construir, mas agosto teve o seu lado produtivo. E se alguma vez pensei que não tinha feito nada além de acordar cedo e trabalhar, talvez eu tenha conquistado muito mais coisas do que mais uma ou duas postagens por semana.


Comecei a escrever este texto meio frustrado e em poucas linhas mudei de pensamento. “Não cumpri uma meta que eu havia colocado para mim mesmo”, pensei. Porém, pensem, não foi uma meta frustrada de fato. Eu fiz coisas. Várias por semanas. Viva!




Não é de você que sinto falta

É aquela sensação tão clichê das borboletas, da ansiedade de querer te ver. A falta, que ainda sinto, mas, principalmente, a possibilidade de te encontrar. Te esperar sentado, no banco do shopping, tendo a certeza que todo mundo que me olha percebe que naquele momento eu sou uma pessoa muito feliz. Enquanto te espero. No banco, no shopping, na parada de ônibus, em frente ao teu prédio na faculdade, na vida.

Te espero, mas você não está pronto. Espero. Seríamos dois em um. Seríamos dois por um.

A tua ausência transborda no meu dia, seguro as lágrimas e me pergunto por quê tanto apego. O que em você me prendeu tanto, menino? O teu sorriso largo ou tua revirada de olho abusado quando não gostava de alguma coisa. A tua inteligência, teu senso crítico ou tua determinação de correr atrás das tuas metas pessoais. O teu jeito de querer me beijar a todo tempo, aproveitando cada momento. De me surpreender com a tua presença na partida do ônibus. O teu abraço, o teu carinho desajeitado, o teu sexo em lugares inusitados.

Procuro em outros o que achei em você. Seguro em outros, mas nenhum deles parece você. E eu estou novamente nesse ciclo de rio profundo do ascendente em escorpião. Do drama, do sofrimento e das lágrimas de sol em câncer com lua em peixes. De apego, de desejo. Contigo me abri como não conseguia com ninguém a muito tempo. Contigo consegui uma coragem que não sentia a muito tempo. Contigo tinha uma vontade de nunca sair do teu lado.

O que em mim te fez desistir da gente, menino?

“Segunda-feira eu começo.”

É aquela famosa frase dita por quem está adiando metas, postergando ciclos e anulando a proatividade. Próxima segunda em começo. Foi o que eu disse dia primeiro de agosto quando me deu conta que já era o dia um do mês de agosto. Eu ando me sentindo muito não-criativo (nem sei se existe essa expressão) e para uma pessoa que trabalha em área diretamente ligada a criatividade isso pode soar estranho. Acreditem, as coisas podem ficar super mecânicas e repetitivas em qualquer área.

Mas... e a segunda-feira? Julho vim pensando no que eu poderia fazer para estimular o meu lado direito do cérebro (o criativo) e imaginei alguns projetos paralelos ou voltar a desenhar ou treinar alguma habilidade nova. Então agosto, decidi, seria o mês onde cada dia eu me forçaria a criar alguma coisa nova, fora do trabalho. Pessoal. Íntimo. Me desafiar a sair da inércia.

Só que primeiro de agosto chegou, passou e acabou passando batido. Entrei na dúvida entre desistir completamente ou só adaptar. Então adaptei: O projeto agora começa na primeira segunda-feira (olha ela) de agosto, mas ainda vou ter que produzir conteúdos novos. Porém, não um por dia, mas, no mínimo, dois por semana. Eu me conheço. Todo dia seria a maior furada, então colocamos metas que possam ser atingidas.

É sim. Duas criações. Cada semana.

Desejem-me sorte.

E o barquinho a navegar...

Já quis ser porto quando não me cabia.
Quando não tinha estruturas nem para ser meu próprio abrigo.
Quando fixar era um plano distante.
Quando meu corpo estremecia ao encontro de qualquer onde.
Quis ser abrigo de alguém.

E virei canoa em um mar que não aceitava canoa.
Desviava-me das ondas altas. Virava. Desvirava.
Caia. Sufocado.
È onda ou são as minhas lágrimas?

Percebi que precisava de algo mais estável.
Uma estrutura mais ajustada aos movimentos que a vida me servia.
Ajuda. Conversas e auto-conhecimento.
Pessoal, tão pessoal quanto eu nunca iria ser com ninguém.
Eu achava. Esperava.
Era uma defesa de mim mesmo que sempre me serviu.

E fui barco. O barco que um dia eu quis no porto.
Vaguei. Nadei.
Desbravei mares, olhares, corpos, peles.
Suados. Diversos. Outras formas. Lugares.
Nunca mais quis ser porto, pois porto estagna.
Quero mesmo é ser barco, que vaga e que se transforma.

Então encontrei outro barco e quis ir junto.
Juntos. Compartilhando as tormentas,
aproveitando as calmarias.
Um com o outro. Um pelo outro.
Seguimos. Os dois com problemas, com dúvidas e má decisões.
Os dois se apoiando, se cuidando, se (re)conhecendo.
Um se recuperando e o outro falecendo.
Um que escapou, outro que ficou sozinho.

Hoje continuo barco, mas com uma estrutura muito mais reforçada.
Sozinho, desbravando ondas.
Às vezes estendo as velas e deixo a correnteza me levar.
Às vezes pego o remo e vou para onde preciso estar.
Com objetivos meus. Traçando meu próprio caminho.
Conhecendo outros barcos, passando por alguns portos,
mas nunca realmente ficando.
Independente, como deveria ser.
Crescendo, como eu mereço.
Correndo atrás. Ou navegando.
As memórias sermpre no coração.
Uma vida toda pela frente.
E sigo. Quem sabe um dia não viro um cruzeiro.

O @ que eu gosto

Te espero na Burger King da Dezessete de Agosto, lendo um livro qualquer enquanto penso na tua pele. No teu toque e no toque da tua pele. Chega. Te pago um sanduíche e conversamos como anda a vida, a sua vida. Entre uma mordida e outra me contas sobre seus novos planos e as realizações de planos antigos. Meus olhos brilham em atenção enquanto foco no movimentos dos teus lábios. Aqueles de quem um dia os meus ficavam tão próximos.

Me contas, entretanto, que alguns planos não saíram como você esperava, mas que você está feliz assim. Que a sua vida está muito boa. Que talvez não role o intercâmbio, mas que encontrou um novo alguém que te faz muito feliz. Talvez mais feliz do que eu fui capaz de fazer (suponho). Que comprou o sofá cama e a TV para a sala. Muito mais confortável para maratonar as suas séries, não é mesmo? Mas aí me contas que agora não tens mais tanto tempo assim para maratonar todas as séries que tu queria, que teus dias estão corridos demais. Talvez você até já tenha começado a dar aula e sei que está sendo um professor maravilhoso. Só escuto e te admiro, feliz em estar novamente olhando o homem que valorizo.

Queria te chamar para o cinema ali do lado, no nosso tempo era o meu rolê preferido para uma tarde contigo. Na verdade, qualquer caminho contigo era o meu preferido. Estar ao teu lado era o ápice da minha felicidade. Me seguro para não segurar a tua mão, te sentir uma última vez.

Falo pouco, até porque pouca coisa mudou na minha vida. Algumas mudanças ali, um pouco de autoestima aqui. Alguns planos. Algumas crises de choro e ansiedade. 2018 foi um ano difícil para todos. Mas te contar todas aquelas coisas me fazem um bem danado, sinto que poderia ficar ali conversando contigo por mais alguns anos. Ou só ficar em silêncio sentindo o cheiro do teu perfume quando bate o vento, tendo a sua presença ali tão perto.

Nos despedimos, tens que ir para o curso de inglês. Eu te abraço e me demoro, te desejo sorte. Me demoro. Queria ficar ali para sempre, mas me afasto. Nos afastamos. Quem sabe por quantos anos. Será que para sempre?

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