"Então não olhe".



Você pinta o cabelo e se vê discutindo questões de gênero com a sua família. Vou explicar. Dezoito de dezembro de dois mil e quinze. Gravem a data porque este foi um momento (que só percebi depois) divisor de águas na minha vida. Mas tudo começou um pouco antes.
Sempre fui daquela pessoa que faz as coisas baseada no que eu acho que as pessoas vão achar/falar de mim quando eu fizer alguma coisa. O que é um saco, porque a sua vida acaba se resumindo a “você não faz nada, porque daí ninguém fala”. Acontece que, após a vida e algumas sessões de terapias dentro de mim foi surgindo um sentimento de confiança e de “posso fazer qualquer coisa”, mesmo que não fizesse. Só sentir aquela revolução acontecendo aqui dentro já era uma sensação ótima.

Este ano, então, decidi consolidar de uma vez por todas o sentimento de posse das minhas próprias vontades e decidi que iria realizar um desejo que há muito eu nutria, mas que não tinha a coragem e determinação para fazer. Platinar meu cabelo num tom de cinza. Acho lindo e se fica lindo em tanta gente por que não em mim. Me decidi. O drama já começou com a decisão e a divulgação desta decisão que para mim já não era tão fácil, mas estava decidido. Pintei. E de repente eu era um ser estranho e estava discutindo questão de gênero com a minha família, principalmente.
Me vi entre argumentos de “você não tem mais idade para isso” até “você está com cara de 60 anos” e, sinceramente, nenhum deles me comoveu o bastante para me arrepender da minha decisão. A cor ficou linda em mim. Porém, uma reação me fez pensar e rever os meus conceitos e colocar a questão sob um novo ponto de vista. De repente, a minha reação involuntária para o argumento da idade foi: “você pinta o seu cabelo desde que me entendo por gente”.

“Mas eu sou mulher...”

“E daí, qual é a diferença?”

A conversa continuou mais nada muito profundo, como já era de se esperar. Mas percebi que o fato de verdade que incomoda tantas pessoas não é o fato de eu ter platinado o cabelo completamente e sim de ser um homem platinando o cabelo. Um homem comum, porque artista pode. Há, na cabeça das pessoas, uma diferenciação estranha entre o universo dos artistas e o universo de “pessoas normais”. Intimamente, as pessoas ainda conservam valores e doutrinas ultrapassadas que afloram quando confrontadas destiladas em regras absurdas do que se pode ou não pode fazer.

Curioso que, neste ringue entre o amar e o odiar uma simples pintura de cabelo, todos os ódios se concentram em pessoas com mais idade, mais conservadoras. Porém, o amor vem de todos os lados e é muito mais importante que o resto de ódio.

E, de repente, me perguntaram: “até quando tu vai manter o teu cabelo assim?” / “até quando eu tiver dinheiro e vontade de mantê-lo assim” / “mas está muito estranho de olhar”...

“Então não olhe”.

Um comentário:

  1. já dizia aquele provérbio conhecidíssimo das internets: "haters gonna hate"

    pois eu achei que ficou maravilhoso! e que esse divisor de águas seja de fato um catalisador de novas posturas, coragem e OUSADIA (sim, por que não?), porque já deu dessa vida de apagar as nossas cores só porque a pessoa do lado não vai achar legal, né?

    btw, independente da cor do cabelo, saiba que o que está aí dentro é o que importa. e que as pessoas que te amam do jeito que você é vão continuar te amando moreno, platinado, ruivo, multicolorido etc ♥

    um beijão

    ResponderExcluir

MAIS RECENTE

Márcio

Márcio sentou em sua cadeira de frente ao computador, mas a vontade era de chorar. Não que não pudesse chorar na frente do computador, mas s...