Quem te vê assim, definhando de dentro para fora deitada num chão frio, não conhece a tua verdadeira personalidade. Não consegue ver nas tuas memórias todos os momentos que passamos juntos, todas as bolas que pegastes por mais longe que elas fossem. Não conseguem ver teu sorriso quando, entrando por aquela velha porta de madeira, eu chamava teu nome. Alguns nem acreditavam naquele teu sorriso, mas para mim sempre foi a razão pela qual eu também sorria ao entrar em casa. Toda aquela recepção calorosa, um rabo balançando no ar que parecia muito mais que um, pelos voavam quando você se balançava num movimento estratégico pedindo mais atenção, pelos ficavam em minha mão. Não sentir teu cheiro na minha roupa me incomoda. Sentir o cheiro fétido da tristeza que sentimos me incomoda. Tua força de vontade para seguir em frente, minha esperança que ainda acredita na tua volta me incomoda.
Incomoda-me não saber se tu sentes por mim o que eu sinto por você, nunca vou saber. Para mim nunca terei demonstrado amor suficiente para tu saber o quanto eu te amava, nunca fui bom o suficiente para tudo o que você merecia receber de um dono. Você era minha companheira, minha melhor amiga, aquela para quem contava meus segredos, até os segredos mais profundos. Pensando por esse lado, talvez seja bom mesmo você não saber falar.
E agora nunca mais poderei ter o seu sorriso, tua face na janela observando o movimento da rua alimentando a tua curiosidade e vontade de sair e desbravar esse mundo tão grande. Quantas vezes não te levei para passear por pura preguiça minha, me arrependo de todas as vezes que ignorei teus choros desesperados implorando por alguns passos naquele asfalto sujo. Sempre quis cuidar tão bem de você, sempre fui tão dependente de pessoas que não queria a mesma coisa. Agora culpam-me pelo teu estado, agora dizem que não tem mais volta, agora falam coisas duras de aguentar sem perceber o quanto me dói, me dói tanto, ver você morrendo lentamente neste chão frio e sujo. Queria poder, com as minhas próprias mãos, te curar. Fazer milagre, desaparecer com todas estas doenças que te afligem, com toda essa dor que te consome. A dor. Nem consigo imaginar quanto dói em você perceber que já não é a mesma, que fazer as coisas que você tem vontade já não é tão fácil quanto alguns meses atrás. Me culpo. Aceito a culpa. E esta lágrima que agora desce em meu rosto é apenas uma das muitas que ainda surgirão, todas cheias de culpa e autopunição. Neste momento só consigo pensar em uma coisa que queria te dizer: me perdoa.
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